sexta-feira, 14 de março de 2014


Pausa pra poesia


AGORA EU SOU MÃE

Agora tem, minha vida, cores diferentes:
Desenhos animados, canções de ninar,
Roupinhas diminutas pra lavar e passar.
Sonhos infindos se acumulam em minha mente
E o mais lindo sorriso não tem dentes.
Dorme sozinho meu marido, preterido,
Abandonado, esquecido e não reclama;
Resignado, aceita bem o ocorrido
E guarda, com saudades, meu lugar na cama.
Minhas vontades não me importam como antes,
Agora eu como e tomo banho quando dá;
O pé cascudo, as unhas curtas por fazer
E a sobrancelha nunca para de crescer.
Em minha vida mais sujeira e mais odor:
Golfadas, fraldas, vômito, xixi e cocô.
Agora eu descanso e durmo quando dá
E acordo bem antes de o sono acabar.
De sentinela, sempre atenta e ao dispor -
Cuidado, zelo e amor são meu despertador.
Enfrento a luta e me armo apenas com o que posso:
Termômetro sempre acessível e a postos.
Noites sem bar, sem bebedeira e sem baladas
Trocadas por sono, berreiros e mamadas.
Agora peito não é mais pra encher decote,
Virou sinônimo de abrigo e alimento.
Ar abatido, olheiras, sempre há quem note -
O que hoje já não representa sofrimento.
Não faço tudo, faço apenas o que dá
E paro tudo quando é hora de mamar.
Programas infantis, cantigas mal-cantadas,
Refeições e idas ao banheiro adiadas.
Agora eu não sou heroína nem guerreira
Sou o que posso, sem dor ou ressentimento.
Minhas horas se esgotam em coisas corriqueiras
E eu vejo o tempo voar a cada momento.
Me ocupo menos com o ontem e o amanhã.

Sou a melhor versão de mim porque sou mãe.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Sobre a cesárea


Este é um tópico sobre o qual eu havia decidido escrever somente quando pudesse me considerar 100% recuperada, mas como este momento nunca se apresenta, decidi não esperar mais. Já ouvi falar de mulheres que ainda sentem sequelas da cesárea anos após terem passado por uma, por isso desisti da minha ideia original. Será um tópico extenso pois quero relatar cada detalhe que pude vivenciar do tão romantizado procedimento da cesárea.

Se você está optando por uma cesárea porque não quer sentir dor, repense. Você vai ser mãe, não há forma de concretizar isto sem passar por dor. Não se iluda. Eu entendo que você está apavorada com a ideia de expelir uma melancia por um orifício onde só cabe uma banana, mas a natureza é sábia. Claro que a cesárea está aí para facilitar e salvar vidas, mas a forma como ela é praticada no Brasil é abusiva.  Soma-se falta de informação (ou informação distorcida) com ignorância e um sistema de saúde falho e o que temos: 50% (chegando a 90% na rede privada) dos partos feitos no Brasil por cesárea. Quando o recomendado pela Organização Mundial de Saúde é 15%. A discrepância é gritante!

Pior: em muitos dos casos essas cesáreas são realizadas com data marcada. Ora, o bebê fica agora sujeito à vontade do médico e da mãe, e os hormônios que ele sabiamente secreta no momento em que seu organismo está completamente pronto e preparado para o nascimento e que ocasionam o rompimento da bolsa, as contrações, enfim, o início do trabalho de parto são categoricamente desprezados e subestimados. E o bebê, que poderia nascer a qualquer momento entre mais ou menos a 36ª e a 42ª semanas é obrigado a seguir a conveniente agenda do doutor e da apressada e apavorada mãe. Pensem bem: é um intervalo de 6 semanas! Como saber exatamente em que ponto, neste intervalo, o bebê está completamente desenvolvido para o nascimento?  Sugiro que pesquisem um pouco sobre a cesárea eletiva e suas possíveis consequências. 

Muito bem, você vai concluir que eu sou contra a cesárea. Mas não é bem assim. Tanto é que me submeti a uma. Eu sou contra a forma como ela é praticada no Brasil e a ilusão vendida que a cesárea “previne a dor, é prática, é rapidinho, pra quê esperar o bebê dar sinal?, em 15 minutinhos você terá o bebê no seu colo, só faço se for cesárea” entre outras coisas proferidas por nossos obstetras, que ouvimos por relatos de mães impressionáveis e desinformadas. Informação é sua arma, você tem meses e meses para se informar e fazer uma escolha consciente. Não se deixe levar pelas conversas de médicos inescrupulosos nem daquela vizinha que “fez faxina na casa toda 5 dias depois da cesárea”. Cesárea não é uma picadinha de injeção, não é um procedimento rapidinho, com baixo risco e indolor. É uma cirurgia de grande porte, com riscos de complicações como infecção e recuperação lenta e dolorosa. E não se esqueça que você estará cuidando de um bebê que acorda (ou simplesmente não dorme) várias vezes à noite para mamar, faz cocô toda hora, se suja e exige inúmeros banhos e trocas de fraldas todos os dias, pede colo e mamá a cada 15 minutos e chora de cólica por 3 horas sem parar. E tudo que a recuperação da cesárea pede é que você se deite, descanse, não fique muito tempo em pé, durma 20 horas por dia...

Relato minha experiência, que não foi das melhores. Sei que muitas mulheres discordarão e argumentarão que a cesárea foi super tranquila no caso delas. Muito bem, então criem seu próprio blog, este aqui é meu e a minha experiência foi bem desagradável.

Desde o começo da gravidez eu desejei um parto normal. Me informei a respeito e tomei minha decisão consciente que o momento do parto é inesperado e aquilo que planejamos pode sofrer uma reviravolta e portanto sempre encarei a possibilidade de uma cesárea se tornar necessária sem dramas nem radicalismo. Afinal, eu também havia planejado que seria uma grávida ativa e magra, plano que foi por água abaixo depois de uma primeira gravidez com aborto e uma intervenção cirúrgica chamada cerclagem para assegurar que a segunda gravidez chegaria com segurança até o fim, e por consequência, um repouso forçado que fez de mim uma grávida sedentária e gorda. Àquela altura, eu já não estava em posição de impor ou exigir nada. Mas minha opção número 1 era parto normal. Queria estar bem para cuidar de minha filha com disposição. Sabia que enfrentaria a dor mas as informações que eu havia buscado me esclareceram que cesárea também causa dor, só que esta dor é menos aguda e mais duradoura, ao contrário do parto normal que nos brinda com uma dor lancinante porém breve.

Uma coisa eu tinha em mente: fosse por parto normal ou cesárea, quem decidiria a hora de nascer seria minha filha.

E assim ao dar entrada com a bolsa rompida na maternidade, liguei para meu obstetra dr. Jaime Filho, que ao chegar e me examinar, constatou (como já havia constatado no exame da consulta semanal à qual eu havia ido naquele mesmo dia, pela manhã) que meu colo do útero ainda não estava, como eles dizem, “apagado”, ou seja, amolecido e pronto para o parto. Eu apresentava dilatação de 4 cm, o que não era ruim para um início de parto. Baseado nisso tudo, ele me prescreveu soro com ocitocina, um hormônio que induz e acelera o parto (e também aumenta consideravelmente a dor e a frequência das contrações) e eu fui encaminhada para a enfermaria, onde ficaria até a hora do parto. Lá fiquei sentindo contrações de 5 em 5 minutos, depois de 4 em 4, depois de 3 em 3. A dor é realmente muito intensa, a impressão é que seu ventre inteiro está sendo totalmente rasgado e dilacerado. A cada contração eu pensava “PQP, será que eu não vou aguentar? Será que não vou conseguir parir naturalmente? Será que daqui a pouco estarei implorando para o doutor me abrir?”, mas tentava me manter firme. Porém, após 5 horas o doutor concluiu que o colo do meu útero e a dilatação não haviam apresentado nenhuma evolução e decidiu que eu não deveria mais sofrer, que partíssemos para a cesárea. Eu fiquei triste porque não seria do jeito que eu havia desejado, mas feliz porque a dor alucinante teria fim. Tive que esperar por mais 1 hora com desesperadoras e frustrantes dores, já que agora eu sabia que elas não levariam a nada, até que a sala de cirurgia fosse liberada.

Agora vem minha descrição do que é a cesárea: você receberá a picada na coluna da anestesia raqui. Não dói praticamente nada e a anestesia pega no mesmo instante. Antes que você se assegure que ela realmente está funcionando, o doutor já está espalhando o que acredito, pois não vi, ser iodo em toda sua barriga, área genital e coxas. Apesar da anestesia já quase 100% ativa, eu podia sentir o incômodo arranhar na minha área genital, onde o doutor espalhava a substância com a delicadeza e a ternura de um estivador e pensava que certamente nenhum clitóris havia sido tocado tão friamente nem pelo mais inexperiente dos amantes. “Espero que o doutor seja mais jeitoso com a namorada” pensava eu, tentando me distrair para ignorar o desagradável procedimento.

Tudo pronto, um lençol cobria minha visão do peito para baixo e eu observava a sala cheia de equipamentos conectados a mim e de profissionais, alguns muito gentis pegavam minha mão, me explicavam os procedimentos e me desejavam um bom parto com olhar carinhoso. Infelizmente eu nunca os reconhecerei se os vir na rua pois todos usavam máscara.

Chamaram meu marido e então o doutor iniciou a cirurgia. Eu sentia empurrões e puxões no meu abdomen, trancos fortes e secos. Após uns 10 ou 15 minutos de trancos, o doutor disse: “Vai nascer, Dani!”, ao que eu respondi abrindo o berreiro. “Quer ver, Fernando?” perguntou o doutor ao meu marido, que se levantou e viu o que me descreveu depois: uma doutora empurrava fortemente minha barriga a partir do estômago com o braço enquanto o doutor buscava pelo buraco alcançar a Sofia pela cabeça. Ouvi o choro da bebê mas não pude vê-la por causa do lençol. Eu chorava e perguntava para meu marido: “Como ela é? Tadinha...” lamentando seu choro ardido de bebê desesperado. O Fernando respondia, com a habilidade típica dos homens para fazer descrições: “É normal” e me relatava tudo o que estavam fazendo com ela:  “Estão limpando... estão pesando...”. Agora pausa para o momento mais emocionante da minha vida: após alguns poucos minutos, me trouxeram até o alcance da visão a minha bebê toda enrolada num lençol e vestindo uma touquinha. Ela chorava desconsoladamente, assim como eu; passei o polegar levemente em sua bochecha e a vi imediatamente parar de chorar e abrir uma boquinha fofinha de bocejo. Era linda minha menina, perfeita, pequenininha, chorona, beiçudinha, olhos escuros muito abertos e vivos...

Pronto, o encanto e a magia se acabaram - a bebê foi retirada. Mais trancos, pressões, estalos no meu corpo. Parecia que o doutor sovava violentamente massa de pão e grampeava ou carimbava com fúria enormes pastas com documentos de uma repartição pública dentro da minha barriga. Toda a sensação é de movimentos violentos e secos. Isso durou uns infinitos 20 minutos, meu marido também já havia sido retirado da sala  e eu ansiava pelo momento de ter minha bebê nos braços para dar de mamar... Após eu ser finalmente encaminhada para o quarto, demorou ainda mais ou menos uma hora até que ela viesse, faminta, tomar seu primeiro mamá. O Fernando me esclareceu que ela havia ficado na incubadora para aquecer durante aquele meio tempo.

O que acontece na maternidade e a forma como você é tratada pelas enfermeiras são assunto para outro post. Me concentrarei aqui na cesárea.

Toma-se uma combinação de anti-inflamatórios, analgésicos e antibióticos durante mais ou menos uma semana. A região fica inchada, muito dolorida e você não consegue fazer movimentos rápidos. Ficar muito tempo em pé, se levantar da cama, se sentar numa poltrona, nenhum movimento acontece sem grande dor e dificuldade. Se você já ouviu dizer que não deve falar após a cesárea pois pode ter gases, leve a sério. Eu não levei e o resultado foi a sensação que eu ainda estava grávida, que eram gêmeos e que o doutor havia deixado meu outro bebê dentro da minha barriga. Eu nem me lembrei da recomendação para não falar e tagarelei como uma matraca com minha mãe, que era minha acompanhante na enfermaria e estava empolgadíssima com a nova netinha. Meu bebê formado por gases se mexia e era tão grande quanto, senão maior que a Sofia. Esta sensação demorou dias para passar, às custas de muitos arrotos e incontáveis puns, que parece que se renovavam a cada dia. A sorte é que eram bastante inodoros. Também sofri uma forte queda de pressão logo após o banho, que me fez perder as forças, ver tudo escuro e sofrer ânsia de vômito e me obrigou a me deitar na cama ao lado da minha, que por sorte estava ainda desocupada. A queda de pressão é aparentemente comum pois ao relatar meus sintomas à enfermeira que veio me dar bronca por me ver deitada na cama que não era minha, ela comentou: ”Ah, deu queda de pressão, né...”

Após 3 ou 4 dias em casa, a região não parava de doer e inchar mais e mais, enquanto eu me sentia cada dia mais indisposta, pesada, exausta e doente.  Após uma consulta, o doutor não identificou nenhuma infecção e mandou que eu fosse para casa, repousasse e aplicasse gelo. Após 2 dias de gelo, eis que o inchaço se explica: um forte sangramento se inicia num pequeno ponto do corte da cesárea. Percebe-se que o fluxo de sangue é grande mas que a passagem é muito estreita, espremidinha numa área do corte que se abriu para permitir a passagem do sangue. Ao redor do corte vê-se muito sangue acumulado, tentando se esvair. No pronto socorro, me explicam que um vaso havia se rompido na área, coisa que pode ocorrer, e me fazem uma drenagem – a sangue frio a doutora expulsa o líquido começando pelas virilhas e o empurrando pelo pequeno orifício aberto do corte. Procedimento bastante doloroso, mas ao final um grande alívio se instala; o inchaço cessa e me sinto bem mais leve e disposta.

O sangramento perdura por uma semana, o doutor me prescreve um antibiótico mais forte já que a ferida está aberta; isto me causa diarreia por 5 dias. Novamente no pronto socorro, o médico se espanta com minha palidez. Sou diagnosticada com goastroenterite e anemia.

Os remédios que me são prescritos causam fortes cólicas na Sofia, mas eu preciso tratar a infecção intestinal e a anemia. Muito bem, uma semana se passa desde o fim do sangramento, paro de tomar os remédios e quando penso que tudo está se encaixando, eis que novo sangramento se inicia, desta vez menos composto por sangue e mais por um líquido aquoso. Este vazamento perdura por mais 8 dias. Quando finalmente termina, já se passou um mês e eu ainda me sinto recém-operada, com dores, fraqueza, indisposição galopante e sono acumulado. Que saudade do meu plano número 1! Que desgosto por ele não ter dado certo!

Estas complicações pós-cesárea não necessariamente acontecerão com você. Mas a dor do pós-operatório, sim, agravada pelo peso do bebê repetidamente apoiado sobre sua cirurgia enquanto você amamenta e pelos chutes que o bebê desfere bem na área operada enquanto você tenta trocá-lo em meio a seus gritos de dor e tentativas de controlar suas perninhas alucinadas.

Sinceramente: eu ainda prefiro o parto normal e se algum dia acontecer de eu engravidar de novo, ele será minha opção número 1 novamente. Só assim poderei fazer um post relatando exatamente como é um parto normal.

Seja qual for sua escolha, faça-a com consciência e entenda que para alcançar o paraíso de ser mãe, é necessário antes enfrentar a provação da gravidez e do parto, seja ele normal ou cesárea.  Nenhum dos dois é prazeroso.

Boa sorte!

Ps: Agradecimento especial ao Dr. Jaime Filho, que me proporcionou e proporciona acompanhamento mega cuidadoso. Mesmo com as adversidades, eu sabia que estava em excelentes mãos e confiei 100% nele e em suas decisões. Isto é fundamental: que haja confiança total no profissional com quem você mãe esteja fazendo seu pré-natal e que vá realizar seu parto.