quinta-feira, 26 de junho de 2014

Amor Incondicional o Caramba!

Ah, esse papo de amor incondicional! Vou colocá-lo naquela lista de termos/frases feitas, clichês, cafonice.

Não é incondicional coisa nenhuma! Você, que repete tanto a expressão, já parou para analisá-la?

Incondicional consta assim no dicionário = que não está sujeito a condições.

Muito bem, concluo que meu amor por meu marido, por exemplo, não é incondicional. Eu o amo por algumas qualidades específicas dele que me conquistaram. Se ele não fosse, em primeiro lugar, tão doce  e terno nos momentos mais propícios, tão companheiro nos momentos de luta, amigo leal, dançarino talentoso, amante envolvido e envolvente, atencioso, bom cozinheiro, etc e tal, talvez eu não o amasse. Antes que ele me demonstrasse quaisquer desses talentos, eu não o amava. E meu amor por ele está condicionado a estas características que me exercem fascínio e me despertam, por ele, interesse, paixão, tesão, admiração, amor. E assim é também com meus amigos.

Agora, o amor dito "incondicional" de mãe: minha filha não precisa fazer nada para que eu a ame. Não precisa demonstrar talento, doçura ou qualidades para se tornar digna de meu mais irrestrito e profundo amor. Ela o tem, já nasceu e morrerá possuidora dele. Mas isso se dá sob uma condição: a de que ela é minha filha e eu sou sua mãe. É esta a condição que rege o amor de mãe. É sob este prisma, também, que se estabelece meu amor pela minha mãe e pelo meu pai. 

Então, por favor, não fiquem repetindo esta história de "amor incondicional"! A condição é a de sermos mães - e por isso, capazes do amor mais profundo, verdadeiro, desinteressado, genuíno, puro e ilimitado que pode existir. 


Ps.: Reflexão inspirada pelo querido padrinho da Sofia, Nelson Bueno.


Nasce um bebê


Nasce um bebê. E com ele, nascem um pai e uma mãe. Uma (ou duas) avós, um (ou dois) avôs. Tias, tios, primos. E junto com tantos nascimentos, nasce uma porção de palpiteiros.

Quando nasce um bebê, nasce um bebê mamífero, que nada sabe sobre a "evolução" do ser humano. Ele, como outros mamíferos, sai do quentinho e do escurinho do útero e é jogado em nosso mundo sem nenhum preparo anterior. Já no parto, é brindado com procedimentos médicos necessários porém frios e chocantes, num ritual pavoroso de boas-vindas. Chora de susto, de medo, de desespero. Sofre dor física, assim como sofre com o choque do inesperado. E tudo que ele quer é o que conhece por experiência e sabe por instinto: sugar. Aconchego. Carinho. Colo. E onde ele encontra tudo isso? No seio materno. Não se trata unicamente de alimento. Peito é aconchego. É calor. É conforto. É paz. É amor. 

Mas a sociedade (os palpiteiros, que nasceram ali, junto com o nascimento do bebê) não aceita que o bebê fique pendurado no peito da mamãe. Sugerem problemas: "seu leite é fraco", " ele está com manha", "dê mamadeira para ele", "dê chupeta". Nosso mamiferozinho já nasce em desvantagem: ele é o mais incapaz e dependente da natureza. Outros, horas após o nascimento, já estão em pé, dando os primeiros passos ao lado da mãe. O nosso demorará por volta de um ano para concretizar este feito. E para piorar, a desvantagem se dobra, se triplica, sob as exigências da vida humana moderna: tem que ser independente. Tem que dormir a noite toda, sem acordar para mamar. Tem que parar de chorar. Tem que se acostumar a ficar sozinho no berço. Tem que pegar chupeta. Tem que dar sossego.

A racionalidade nos proporciona uma habilidade valiosa: nos colocarmos no lugar do outro. Será que a temos colocado em prática com nossos bebês?

Qual, entre os mamíferos, nega atenção, deixa chorar, deixa só no berço, dorme afastado do filhote, nega alimento na hora em que o filhote demanda, regula a mamada com horários estipulados, exige independência, sossego, paz, tranquilidade? Os humanos. Somente os humanos. Vejam que incoerência: somente os mamíferos procriadores do filhote mais indefeso.

E foi assim que eu ouvi, já na maternidade, que minha bebê estava com manha porque, assustada, chorava toda vez que era colocada no berço. Que meu leite era fraco porque ela queria mamar a cada 30 minutos. E depois, em casa, tantas vezes fui censurada por dormir com minha cria, dando peito quando ela solicita ( como toda mãe mamífera faz). Por dar colo a toda hora. Por atender quando ela chora, ou mesmo antes, quando faz carinha de choro. Por dar o peito quando ela pede, mesmo sabendo que ela acabou de mamar e está com a barriga cheia. Por acostumá-la a dormir no meu peito, mamando.
Dizem que vai ficar mal-acostumada. Mimada. Dependente. Manhosa. 

Reflito: o que nos está faltando? Humanidade? Não creio. O senso de humanidade tem nos tornado cada vez menos humanos.

O que nos falta é aceitarmos e seguirmos mais nossos instintos animais. Sermos menos gente, mais bicho. Entrarmos em contanto com nosso lado mamífero. Olharmos nossas crias com olhos selvagens. O mundo como ele se apresenta para nós está aí e não vai mudar. Ele pode esperar para que nossos filhotes estejam prontos para encará-lo. Antes disso, não pulemos etapas. Preparemos nossos bebês para enfrentarem a cruel obrigação de se transformarem, de mamiferos, em humanos. Facilitemos a transição com carinho, com paciência, com compreensão e com amor.

Ps.: Esta postagem é uma tentativa de exorcismo. Porque a cada censura, crítica e palpite, eu, como (acredito) qualquer outra mãe, me abalo e questiono minhas decisões. A verdade é que, no fim, não teremos sido perfeitas, assim como também não o foram aqueles que nos incriminam. Então a questão é: seguir a opinião alheia e levar a dúvida eterna se a minha escolha não teria sido mais acertada; ou seguir meus próprios instintos e ficar em paz com minha consciência de mãe. Fico com a segunda opção.
Deixo este post aqui, como um lembrete de minha decisão.