Sobre a cesárea
Este é um tópico sobre o qual eu havia decidido escrever
somente quando pudesse me considerar 100% recuperada, mas como este momento
nunca se apresenta, decidi não esperar mais. Já ouvi falar de mulheres que ainda
sentem sequelas da cesárea anos após terem passado por uma, por isso desisti da
minha ideia original. Será um tópico extenso pois quero relatar cada detalhe que
pude vivenciar do tão romantizado procedimento da cesárea.
Se você está optando por uma cesárea porque não quer sentir
dor, repense. Você vai ser mãe, não há forma de concretizar isto sem passar por
dor. Não se iluda. Eu entendo que você está apavorada com a ideia de expelir
uma melancia por um orifício onde só cabe uma banana, mas a natureza é
sábia. Claro que a cesárea está aí para facilitar e salvar vidas, mas a forma
como ela é praticada no Brasil é abusiva. Soma-se falta de informação (ou informação
distorcida) com ignorância e um sistema de saúde falho e o que temos: 50%
(chegando a 90% na rede privada) dos partos feitos no Brasil por cesárea.
Quando o recomendado pela Organização Mundial de Saúde é 15%. A discrepância é
gritante!
Pior: em muitos dos casos essas cesáreas são realizadas com
data marcada. Ora, o bebê fica agora sujeito à vontade do médico e da mãe, e os
hormônios que ele sabiamente secreta no momento em que seu organismo está
completamente pronto e preparado para o nascimento e que ocasionam o rompimento
da bolsa, as contrações, enfim, o início do trabalho de parto são
categoricamente desprezados e subestimados. E o bebê, que poderia nascer a
qualquer momento entre mais ou menos a 36ª e a 42ª semanas é obrigado a seguir
a conveniente agenda do doutor e da apressada e apavorada mãe. Pensem bem: é um
intervalo de 6 semanas! Como saber exatamente em que ponto, neste intervalo, o
bebê está completamente desenvolvido para o nascimento? Sugiro que pesquisem um pouco sobre a cesárea eletiva
e suas possíveis consequências.
Muito bem, você vai concluir que eu sou contra a cesárea. Mas
não é bem assim. Tanto é que me submeti a uma. Eu sou contra a forma como ela é
praticada no Brasil e a ilusão vendida que a cesárea “previne a dor, é prática,
é rapidinho, pra quê esperar o bebê dar sinal?, em 15 minutinhos você terá o
bebê no seu colo, só faço se for cesárea” entre outras coisas proferidas por
nossos obstetras, que ouvimos por relatos de mães impressionáveis e
desinformadas. Informação é sua arma, você tem meses e meses para se informar e
fazer uma escolha consciente. Não se deixe levar pelas conversas de médicos
inescrupulosos nem daquela vizinha que “fez faxina na casa toda 5 dias depois
da cesárea”. Cesárea não é uma picadinha de injeção, não é um procedimento
rapidinho, com baixo risco e indolor. É uma cirurgia de grande porte, com
riscos de complicações como infecção e recuperação lenta e dolorosa. E não se
esqueça que você estará cuidando de um bebê que acorda (ou simplesmente não
dorme) várias vezes à noite para mamar, faz cocô toda hora, se suja e exige
inúmeros banhos e trocas de fraldas todos os dias, pede colo e mamá a cada 15
minutos e chora de cólica por 3 horas sem parar. E tudo que a recuperação da
cesárea pede é que você se deite, descanse, não fique muito tempo em pé, durma
20 horas por dia...
Relato minha experiência, que não foi das melhores. Sei que
muitas mulheres discordarão e argumentarão que a cesárea foi super tranquila no
caso delas. Muito bem, então criem seu próprio blog, este aqui é meu e a minha
experiência foi bem desagradável.
Desde o começo da gravidez eu desejei um parto normal. Me
informei a respeito e tomei minha decisão consciente que o momento do parto é
inesperado e aquilo que planejamos pode sofrer uma reviravolta e portanto sempre
encarei a possibilidade de uma cesárea se tornar necessária sem dramas nem
radicalismo. Afinal, eu também havia planejado que seria uma grávida ativa e magra,
plano que foi por água abaixo depois de uma primeira gravidez com aborto e uma
intervenção cirúrgica chamada cerclagem para assegurar que a segunda gravidez
chegaria com segurança até o fim, e por consequência, um repouso forçado que
fez de mim uma grávida sedentária e gorda. Àquela altura, eu já não estava em
posição de impor ou exigir nada. Mas minha opção número 1 era parto normal.
Queria estar bem para cuidar de minha filha com disposição. Sabia que
enfrentaria a dor mas as informações que eu havia buscado me esclareceram que
cesárea também causa dor, só que esta dor é menos aguda e mais duradoura, ao
contrário do parto normal que nos brinda com uma dor lancinante porém breve.
Uma coisa eu tinha em mente: fosse por parto normal ou
cesárea, quem decidiria a hora de nascer seria minha filha.
E assim ao dar entrada com a bolsa rompida na maternidade,
liguei para meu obstetra dr. Jaime Filho, que ao chegar e me examinar, constatou (como já havia
constatado no exame da consulta semanal à qual eu havia ido naquele mesmo dia, pela
manhã) que meu colo do útero ainda não estava, como eles dizem, “apagado”, ou seja, amolecido e pronto para o parto. Eu apresentava dilatação de 4 cm, o que não
era ruim para um início de parto. Baseado nisso tudo, ele me prescreveu soro
com ocitocina, um hormônio que induz e acelera o parto (e também aumenta
consideravelmente a dor e a frequência das contrações) e eu fui encaminhada
para a enfermaria, onde ficaria até a hora do parto. Lá fiquei sentindo contrações
de 5 em 5 minutos, depois de 4 em 4, depois de 3 em 3. A dor é realmente muito
intensa, a impressão é que seu ventre inteiro está sendo totalmente rasgado e
dilacerado. A cada contração eu pensava “PQP, será que eu não vou aguentar?
Será que não vou conseguir parir naturalmente? Será que daqui a pouco estarei
implorando para o doutor me abrir?”, mas tentava me manter firme. Porém, após 5
horas o doutor concluiu que o colo do meu útero e a dilatação não haviam
apresentado nenhuma evolução e decidiu que eu não deveria mais sofrer, que
partíssemos para a cesárea. Eu fiquei triste porque não seria do jeito que eu
havia desejado, mas feliz porque a dor alucinante teria fim. Tive que esperar
por mais 1 hora com desesperadoras e frustrantes dores, já que agora eu sabia
que elas não levariam a nada, até que a sala de cirurgia fosse liberada.
Agora vem minha descrição do que é a cesárea: você receberá
a picada na coluna da anestesia raqui. Não dói praticamente nada e a anestesia
pega no mesmo instante. Antes que você se assegure que ela realmente está
funcionando, o doutor já está espalhando o que acredito, pois não vi, ser iodo
em toda sua barriga, área genital e coxas.
Apesar da anestesia já quase 100% ativa, eu podia sentir o incômodo arranhar na
minha área genital, onde o doutor espalhava a substância com a delicadeza e a ternura de um estivador e pensava que certamente nenhum clitóris havia sido tocado
tão friamente nem pelo mais inexperiente dos amantes. “Espero que o doutor seja
mais jeitoso com a namorada” pensava eu, tentando me distrair para ignorar o
desagradável procedimento.
Tudo pronto, um lençol cobria minha visão do peito para
baixo e eu observava a sala cheia de equipamentos conectados
a mim e de profissionais, alguns muito gentis pegavam minha mão, me
explicavam os procedimentos e me desejavam um bom parto com olhar carinhoso.
Infelizmente eu nunca os reconhecerei se os vir na rua pois todos usavam máscara.
Chamaram meu marido e então o doutor iniciou a cirurgia. Eu
sentia empurrões e puxões no meu abdomen, trancos fortes e secos. Após uns 10 ou
15 minutos de trancos, o doutor disse: “Vai nascer, Dani!”, ao que eu respondi
abrindo o berreiro. “Quer ver, Fernando?” perguntou o doutor ao meu marido, que
se levantou e viu o que me descreveu depois: uma doutora empurrava fortemente
minha barriga a partir do estômago com o braço enquanto o doutor buscava pelo
buraco alcançar a Sofia pela cabeça. Ouvi o choro da bebê mas não pude vê-la
por causa do lençol. Eu chorava e perguntava para meu marido: “Como ela é?
Tadinha...” lamentando seu choro ardido de bebê desesperado. O Fernando
respondia, com a habilidade típica dos homens para fazer descrições: “É normal”
e me relatava tudo o que estavam fazendo com ela: “Estão limpando... estão pesando...”. Agora
pausa para o momento mais emocionante da minha vida: após alguns poucos
minutos, me trouxeram até o alcance da visão a minha bebê toda enrolada num
lençol e vestindo uma touquinha. Ela chorava desconsoladamente, assim como eu;
passei o polegar levemente em sua bochecha e a vi imediatamente parar de chorar
e abrir uma boquinha fofinha de bocejo. Era linda minha menina, perfeita,
pequenininha, chorona, beiçudinha, olhos escuros muito abertos e vivos...
Pronto, o encanto e a magia se acabaram - a bebê foi
retirada. Mais trancos, pressões, estalos no meu corpo. Parecia que o doutor
sovava violentamente massa de pão e grampeava ou carimbava com fúria enormes
pastas com documentos de uma repartição pública dentro da minha barriga. Toda a
sensação é de movimentos violentos e secos. Isso durou uns infinitos 20
minutos, meu marido também já havia sido retirado da sala e eu ansiava pelo momento de ter minha bebê nos braços
para dar de mamar... Após eu ser finalmente encaminhada para o quarto,
demorou ainda mais ou menos uma hora até que ela viesse, faminta, tomar seu
primeiro mamá. O Fernando me esclareceu que ela havia ficado na incubadora para
aquecer durante aquele meio tempo.
O que acontece na maternidade e a forma como você é tratada
pelas enfermeiras são assunto para outro post. Me concentrarei aqui na cesárea.
Toma-se uma combinação de anti-inflamatórios, analgésicos e
antibióticos durante mais ou menos uma semana. A região fica inchada, muito
dolorida e você não consegue fazer movimentos rápidos. Ficar muito tempo em pé,
se levantar da cama, se sentar numa poltrona, nenhum movimento acontece sem
grande dor e dificuldade. Se você já ouviu dizer que não deve falar após a
cesárea pois pode ter gases, leve a sério. Eu não levei e o resultado foi a
sensação que eu ainda estava grávida, que eram gêmeos e que o doutor havia
deixado meu outro bebê dentro da minha barriga. Eu nem me lembrei da
recomendação para não falar e tagarelei como uma matraca com minha mãe, que era
minha acompanhante na enfermaria e estava empolgadíssima com a nova netinha.
Meu bebê formado por gases se mexia e era tão grande quanto, senão maior que a Sofia.
Esta sensação demorou dias para passar, às custas de muitos arrotos e incontáveis
puns, que parece que se renovavam a cada dia. A sorte é que eram bastante
inodoros. Também sofri uma forte queda de pressão logo após o banho, que me fez
perder as forças, ver tudo escuro e sofrer ânsia de vômito e me obrigou a me
deitar na cama ao lado da minha, que por sorte estava ainda desocupada. A queda de pressão é aparentemente comum pois ao relatar meus sintomas à enfermeira que veio me
dar bronca por me ver deitada na cama que não era minha, ela comentou: ”Ah, deu
queda de pressão, né...”
Após 3 ou 4 dias em casa, a região não parava de doer e
inchar mais e mais, enquanto eu me sentia cada dia mais indisposta, pesada,
exausta e doente. Após uma consulta, o
doutor não identificou nenhuma infecção e mandou que eu fosse para casa,
repousasse e aplicasse gelo. Após 2 dias de gelo, eis que o inchaço se explica:
um forte sangramento se inicia num pequeno ponto do corte da cesárea. Percebe-se
que o fluxo de sangue é grande mas que a passagem é muito estreita,
espremidinha numa área do corte que se abriu para permitir a passagem do
sangue. Ao redor do corte vê-se muito sangue acumulado, tentando se esvair. No
pronto socorro, me explicam que um vaso havia se rompido na área, coisa que
pode ocorrer, e me fazem uma drenagem – a sangue frio a doutora expulsa o
líquido começando pelas virilhas e o empurrando pelo pequeno orifício aberto do
corte. Procedimento bastante doloroso, mas ao final um grande alívio se instala;
o inchaço cessa e me sinto bem mais leve e disposta.
O sangramento perdura por uma semana, o doutor me prescreve
um antibiótico mais forte já que a ferida está aberta; isto me causa diarreia por
5 dias. Novamente no pronto socorro, o médico se espanta com minha palidez. Sou
diagnosticada com goastroenterite e anemia.
Os remédios que me são prescritos causam fortes cólicas na
Sofia, mas eu preciso tratar a infecção intestinal e a anemia. Muito bem, uma
semana se passa desde o fim do sangramento, paro de tomar os remédios e quando
penso que tudo está se encaixando, eis que novo sangramento se inicia, desta
vez menos composto por sangue e mais por um líquido aquoso. Este vazamento
perdura por mais 8 dias. Quando finalmente termina, já se passou um mês e eu
ainda me sinto recém-operada, com dores, fraqueza, indisposição galopante e
sono acumulado. Que saudade do meu plano número 1! Que desgosto por ele não ter
dado certo!
Estas complicações pós-cesárea não necessariamente acontecerão
com você. Mas a dor do pós-operatório, sim, agravada pelo peso do bebê
repetidamente apoiado sobre sua cirurgia enquanto você amamenta e pelos chutes
que o bebê desfere bem na área operada enquanto você tenta trocá-lo em meio a seus
gritos de dor e tentativas de controlar suas perninhas alucinadas.
Sinceramente: eu ainda prefiro o parto normal e se algum dia
acontecer de eu engravidar de novo, ele será minha opção número 1 novamente. Só
assim poderei fazer um post relatando exatamente como é um parto normal.
Seja qual for sua escolha, faça-a com consciência e entenda
que para alcançar o paraíso de ser mãe, é necessário antes enfrentar a provação
da gravidez e do parto, seja ele normal ou cesárea. Nenhum dos dois é prazeroso.
Boa sorte!
Ps: Agradecimento especial ao Dr. Jaime Filho, que me proporcionou e proporciona acompanhamento mega cuidadoso. Mesmo com as adversidades, eu sabia que estava em excelentes mãos e confiei 100% nele e em suas decisões. Isto é fundamental: que haja confiança total no profissional com quem você mãe esteja fazendo seu pré-natal e que vá realizar seu parto.